Programa Mais Médicos ainda tem vagas abertas para estrangeiros. Quando vamos valorizar os médicos brasileiros?
O Programa Mais Médicos foi criado em 2013 pelo Governo Federal com o intuito de levar atendimento médico a periferias, comunidades e outros locais remotos com pouca cobertura e assistência médica. O foco do programa desde o início era enfatizar os atendimentos à Saúde Básica, em consonância com o Programa Saúde da Família.
De ideia maravilhosa no papel, na prática, o programa mostrou uma outra faceta: uma estratégia paliativa, de poucos resultados a longo prazo e que principalmente desvaloriza e não incentiva os médicos brasileiros a tratar da atenção básica à saúde. Pensado para ter uma hierarquização de médicos formados e nascidos no país, o programa acabou importando mais da metade dos profissionais de Cuba, em um acordo realizado em parceria com a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde).
O programa remunerava até 2016 os profissionais com uma bolsa-formação de R$ 10.000 por uma jornada de trabalho de 40 horas, o que já fere o piso salarial do médico, que prevê uma jornada menor por esta mesma remuneração. Além disso, quando o governo brasileiro trazia para cá um médico de Cuba, dava quase todo o dinheiro do salário para o governo cubano, e não para o profissional, o que fazia com que os recursos não circulassem em nosso país.
Quatro anos já se passaram desde o começo das atividades do Programa, e ainda testemunhamos em nosso país um cenário caótico dentro da saúde pública. A corrupção mina os recursos destinados a saúde, deixando pacientes aglomerados às centenas em corredores de hospitais, “internados” em macas ou bancos de madeira, isso se não tiverem o azar de serem deixados no chão das instalações das unidades de saúde.
Pessoas vão dizer por aí que o Governo Federal trouxe os médicos cubanos para cá porque os profissionais brasileiros não querem trabalhar na saúde pública. Mas esta rejeição dos médicos locais ao SUS tem razões bastante plausíveis: o Estado não paga os profissionais de forma digna, não oferece um plano de carreira com condições mínimas de evolução profissional e ainda não oferecem as condições básicas para que um médico desempenhe o seu trabalho. Em algumas unidades, chegam a faltar gazes, linhas de sutura e curativos básicos, que são o mínimo do mínimo para a atividade de um médico.
Com os médicos cubanos não é diferente. Apesar de ter sua moradia e alimentação custeadas pelo estado, o profissional cubano, também muito capacitado e competente, quase não recebe dinheiro para fazer as aquisições que deseja ou precisa para ter um mínimo de conforto. Como se não bastasse o sofrimento com a escassez de recursos, estes profissionais possuem resistências culturais causadas pelas diferentes realidades cotidianas experimentadas no Brasil e em Cuba.
A dificuldade na linguagem dificulta também a vida do profissional, mas principalmente a vida do paciente que nem sempre entende qual o seu diagnóstico ou as recomendações do profissional para solucionar o problema. Tudo isso faz com que o atual formato do programa seja bastante lacunar e de eficácia contestável.
O Programa Mais Médicos avança para seu quarto ano e ainda aposta em um modelo que não deve gerar grandes frutos para a saúde pública do Brasil. Afinal, espera-se dos médicos brasileiros que trabalhem na atenção básica do SUS, mas não se oferece o mínimo de recursos necessários para que ele desempenhe seu trabalho, tanto do ponto de vista estrutural como do ponto de vista profissional.
O momento é de investir nos profissionais brasileiros, que são muitos e já demonstraram capacidade e boa vontade para trabalhar. Fazer com que se sintam incentivados a trabalhar para o Estado e para o povo brasileiro com progressão de carreira, hospitais decentes recursos mínimos de atendimento. Só assim o SUS pode evoluir. E acima de tudo, contratar os médicos locais, para que o dinheiro não saia do país e circule pela economia brasileira na área da saúde.
Investir nos nossos médicos significa diminuir ou extinguir as vagas para profissionais estrangeiros, reformar o programa e garantir que atender pela saúde pública seja uma boa escolha para a carreira do médico, não apenas da perspectiva altruísta, mas como também das visões profissional e econômica.
As entidades e associações médicas brasileiras já contestam há tempos os resultados do Mais Médicos. Isto porque o Governo Brasileiro expõe números e estatísticas que engrandecem os resultados do programa, mas os questionamentos dos conselhos e das instituições médicas já mostraram que a contextualização dos dados é enviesada e não dá conta da ampla e complexa realidade pela qual passa a saúde pública no Brasil.
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