A comunicação (entre os próprios profissionais e também com o paciente) é tema de debate constante na classe médica, principalmente porque os limites éticos e legais abrem espaço para uma multiplicidade de pontos de vista.
No caso do WhatsApp, a discussão se torna ainda mais polêmica. A interação fácil e rápida possibilitada pelo aplicativo, popularizada nos mais diversos segmentos e com os mais variados propósitos, alcançou também o campo da consulta médica, colocando o próprio conceito de atendimento em jogo.
É aconselhável e permitido, afinal, atender e manter o relacionamento com o paciente através da ferramenta? E para interagir com o colega de profissão?
Para o CFM, o WhatsApp pode ser utilizado, mas…
Depois de tantas dúvidas, debates e solicitações, o Conselho Federal de Medicina (CFM) finalmente liberou um parecer formal sobre o tema. Publicado em abril de 2017, o posicionamento do Conselho é favorável ao uso de WhatsApp tanto para o contato entre médico e paciente quanto para a interação entre os próprios médicos, mas também estabelece algumas restrições importantes acerca dessa utilização.
A ementa do parecer, que pode ser conferido na íntegra neste link, define que:
“É permitido o uso de WhatsApp e plataformas similares para comunicação entre médicos e seus pacientes, bem como entre médicos e médicos, em caráter privativo, para enviar dados ou tirar dúvidas, bem como em grupos fechados de especialistas ou do corpo clínico de uma instituição ou cátedra, com a ressalva de que todas as informações passadas têm absoluto caráter confidencial e não podem extrapolar os limites do próprio grupo, nem tampouco podem circular em grupos recreativos, mesmo que compostos apenas por médicos.”
Fonte: Parecer CFM nº 14/2017
No documento, o Conselho entende que a internet é mais uma etapa na evolução humana, que busca “encurtar distâncias” e permitir que as pessoas interajam em tempo real. Segundo o órgão, “as mídias sociais se inserem nesse contexto evolutivo, e tem mais aspectos benéficos que maléficos quando aplicados dentro de rigorosos critérios de controle”.
…existem questões que devem ser rigorosamente observadas
O CFM, enfim, não acusa o que chama de “uso saudável” do WhatsApp, mas sim o abuso e a violação de regras que afetem a segurança e o sigilo médico, além de práticas para obter ganho pessoal.
Na linha do que discutimos no nosso artigo sobre marketing médico, o parecer que regulamenta o uso do aplicativo retoma proibições que compõem o Manual de Publicidade Médica, a exemplo da publicação de selfies durante qualquer atendimento e imagens de “antes e depois”.
O Conselho aprova o uso tanto em conversas individuais quanto em grupo, desde que respeitadas as regras do sigilo médico: fica proibido, é claro, manter conversas de cunho profissional em grupos que contenham pessoas alheias à medicina. Assim, só é permitido debater questões relativas a diagnósticos e tratamentos em conversas restritas a médicos.
Se, nessas discussões, for necessário o uso de imagens que possivelmente identifiquem o paciente, o CFM estabelece a obrigatoriedade de cumprir as normas da Resolução CFM 1.974/211, ou seja, o referido Manual de Publicidade Médica. Todo o uso de imagem deve enfatizar apenas a assistência.
Desse modo, a apresentação abusiva, assustadora, enganosa ou sedutora do corpo humano que sofreu alterações de lesões, doenças e tratamentos/procedimentos fica vetada.
Outra norma é não compartilhar os assuntos médicos sigilosos em grupos de amigos, ainda que compostos somente por médicos, uma vez que esses espaços têm cunho informal e recreativo.
A regra básica, enfim, é manter o sigilo inviolável das informações de saúde, mantendo o caráter científico ou clínico desse tipo de interação profissional. De forma semelhante à propaganda em medicina, evitar qualquer tipo de excesso e sensacionalismo é outro comportamento fundamental.
E quanto à interação com o paciente? Quais são as restrições?
Quando o assunto é a interação com o paciente via WhatsApp, o parecer do CFM é claro ao afirmar que “todos os regramentos dizem respeito a não substituir as consultas presenciais e aquelas para complementação diagnóstica ou evolutiva a critério do médico pela troca de informações à distância”.
Vale notar que essa proibição está em voga desde 1942, com o Decreto-Lei nº 4113. O documento, inclusive, antecipa as possíveis tecnologias por vir, afirmando que a regra abrange “qualquer meio que venha a ser descoberto a posteriori”. Interessante, não? Isso em um tempo no qual a comunicação a distância era movida a cartas, telegramas e telefonia fixa…
E o que o CFM considera como “uso saudável” do WhatsApp?
Ao fazer uma analogia com a “época do telefone fixo”, o parecer do CFM afirma que, tal qual o médico que atendia telefonemas de pais aflitos com um pequeno filho doente, tranquilizando-os, o mesmo pode e deve ser feito hoje com WhatsApp. A pediatria, inclusive, é uma das especialidades de mais tradição se falarmos em atendimento a distância…
Observadas as regras de não diagnosticar, não prescrever terapias e não substituir a consulta médica por conversas remotas, o CFM considera como uso saudável do app elucidar dúvidas, tratar de aspectos evolutivos e passar orientações ou prevenções de caráter emergencial ao paciente que já está recebendo assistência.
O Conselho acrescenta que, caso seja relevante, o médico também deve orientar seu paciente a comparecer ao consultório e fazer o registro do acontecimento no prontuário ou ficha clínica.
Longe de condenar o uso do aplicativo na prática médica, o CFM ainda enfatiza que “o WhatsApp ou seus assemelhados são um instrumento de comunicação extraordinário. Conjuga em sua plataforma as trocas verbais, gravadas ou telefonadas com imagem ou não, registros digitais de imagens quer de pessoas, quer de documentos e a troca de mensagens escritas, tal como se fazia com bilhetes, cartas ou telegramas”.
O cuidado, do mesmo modo que a publicidade médica, está relacionado a bom senso, cautela com os excessos e ética profissional!
E a classe médica, como fica em meio a tudo isso?
Uma pesquisa realizada pela consultoria britânica Cello Health, de 2015, mostrou que 87% dos médicos brasileiros haviam feito uso do WhatsApp nos 30 dias anteriores para se comunicar com seus pacientes. O número impressiona, principalmente em contraste com os 4% dos Estados Unidos e dos 2% do Reino Unido.
A grande adesão é muitas vezes explicada pela facilidade de interação do aplicativo (que não exige resposta imediata, como é o caso do telefone) e pelo desejo de manter a disponibilidade para o paciente, incrementando a qualidade do atendimento (principalmente em especialidades como pediatria, obstetrícia e cardiologia). A possibilidade de diálogo fácil e veloz com colegas de profissão, para tirar dúvidas, debater casos específicos e definir os melhores métodos de tratamento também entra na conta como saldo positivo.
Há quem acredite, ainda, que o aplicativo ajuda a não sobrecarregar o sistema de saúde, evitando idas desnecessárias ao pronto socorro. Outros profissionais apostam na acessibilidade da ferramenta como verdadeiro diferencial do seu serviço.
O uso do app, entretanto, não é unanimidade na classe médica. É comum acreditar que a prática, muitas vezes, induz ao erro (a lesão de um paciente vista na tela do celular, por exemplo, pode passar por inofensiva e não o ser). Existe, ainda, a questão da relação presencial e seu caráter insubstituível, fazendo com que muitos torçam o nariz para a interação digital. Interpretações equivocadas das orientações médicas, por parte dos pacientes, também podem preocupar os profissionais.
A falta de limite no horário de envio e no volume das mensagens é outro aspecto frequentemente apontado como ônus da prática médica via WhatsApp. Manter-se disponível é mesmo uma escolha individual, relacionada ao perfil de cada médico.
Enquanto uns se sentem incomodados, como se vivessem em uma espécie de plantão constante, outros acreditam que essa abertura é fundamental para a satisfação e a qualidade do serviço.
Se acompanhada do cumprimento das regras de conduta (e a uma boa dose de bom senso), enfim, a tecnologia é uma aliada incontestável da prática médica. Aqui no blog, já vimos como a própria telemedicina ultrapassa fronteiras ao propor possibilidades incríveis para o serviço em saúde. Site médico, Facebook, Twitter, Instagram, blog, e-mail e inúmeras outras ferramentas digitais entregam resultados cada vez melhores para profissionais e pacientes, democratizando a informação médica qualificada e favorecendo a relação próxima com quem recebe o atendimento.
Como gostamos de frisar, de fato nada substitui a relação presencial estabelecida em consultório – isso jamais vai acontecer! Com o devido zelo pelo exercício da Medicina, no entanto, é possível explorar da melhor forma as incontáveis potencialidades do digital. O WhatsApp, tão em alta, também pode incluir esse cenário de grandes (e benéficas) transformações.
E você, o que pensa de tudo isso? O app faz parte da sua rotina de trabalho? Acredita que o aplicativo é um grande aliado do atendimento ou acha que a prática traz mais problemas do que benefícios?
Comente para deixar sua opinião e participe desse debate com a gente!